ODE ÀS BIXAS-PRETAS
Eu tenho um corpo. Eu tenho uma pele. Eu tenho um
corpo coberto por uma pele preta-bixa. Eu tenho uma pele que está cansada
de ser reconhecida apenas como preta-bixa.
Minha pele biológica foi
inferiorizada pelas ciências e endemonizada por religiões. Por ser negra, foi
ignorada pelas Artes com a desculpa racista de que por ser preto, meu corpo não combinava com suas composições. Mas
então eu pergunto: para que serviu seus estudos de cor? Por ser bixa, foi patologizada
por medicinas e psicologias. Ai eu questiono: a quem serve sua reforma
psiquiátrica?
Por ser preta e bixa minha pele, que fazia parte
de um corpo coletivo foi arrancada desse e de outros grupos. Com justificativas
que se alternavam entre o racismo e a homofobia. "Você é preta
demais!". "Você é bixa demais!'. E sabe, é exatamente isso mesmo que
eu sou. Preta e bixa em sua máxima potência!
Demorei muito tempo pra perceber que minha pele
não se encontra aprisionada em um não lugar. Mas, agora eu sei. Eu sinto, eu
existo, eu ocupo, eu preencho, eu materializo uma “utopia”.
Minha pele preta-bixa não é desencontro e sim
colisão de raça gênero e sexualidade.
Minha pele preta-bixa é mais que uma conversa de
opressões. Ela é criadora de realidades ainda vistas como imperfeitas. Mas, de imperfeita
ela não tem nada!
Minha pele é esperta, pilantra, ladra e
terrorista. Ela desterritorializa seu corpo e o recoloca em um altar, ao lado
de Madame Satã e Mc Lin da Quebrada. Ou melhor. Minha pele bombardeira todos
esses altares, com a ajuda de Satã e Lin, com bombas carregadas de desejos
descolonizados. Desejos de bixa preta latina suburbana e perigosa!
Eu tenho uma pele que é preta e bixa. Essa pele
também é composta por ítens indumentários. Saia, vestido, calça, calcinha, batom,
meia arrastão, terno. Ela gosta de chupar e ser chupada. Tocar e ser tocada.
Gosta de amar e ser amada, porra! Ela chora. Ela é fraca. Ela elimina. Ela
bate. Ela é frágil. Ela é poderosa.
Minha pele preta-bixa é resistência. Ela é insistência.
Ela é indispliscência.
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Texto escrito por Castiel Vitorino, e lido no fim
da performance “Ode às bixa-pretas” realizada na mesa de debate
sobre Estética Negra nas artes. Mesa esta que fez parte da I Marcha do Orgulho Crespo do ES