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quinta-feira, 21 de abril de 2016

A roupa do corpo surrealista

Automatismo e mecanismos psíquicos: essas são as palavras que encontram-se na definição de Surrealismo, feita pro André Breton no Manifesto do Surrealismo (1924). As pesquisas de Breton que foram fundamentadas nas produções de Sigmund Freud, descobrem e discutem as produções artísticas iniciadas no começo do século XX, que estavam propondo-se a transcendência da realidade através da exaltação dos conteúdos que se constituem no inconsciente. A loucura, os sonhos e as alucinações são alguns dos elementos produzidos por essa estrutura mental, que serão responsáveis por construir as imagens e objetos surrealistas que dizem sobre uma nova problematização acerca do corpo. Ao posicionar-se contra a técnicas artísticas que fundamentam-se na consciência e na razão, o Surrealismo destrói a forma humana e desumaniza a arte. Como resultado, a indumentária é atravessada por esses questionamentos, bebe do processo de desintegração humana nas Artes Plasticas e consegue apresentar uma segunda pele para esse corpo entendido como impossível. Um corpo pós-humano.

O Surrealismo posiciona-se contra os enquadramentos produzidos pela noção ocidental de razão, afim de resgatar uma liberdade artística confiscada pelo o que Michel Foucault irá conceituar mais tarde  de Biopolitica (Nascimento da Biopolítica, 1978-1979) ). Os criadores de moda que permitiram-se ser manipulados pelos movimentos de decomposição, fragmentação e dispersão surrealistas sobre a forma humana, assumiram e assumem a responsabilidade de sustentar os questionamentos sobre o corpo que é moldado pela indumentária e seus processos de subjetivação. Elsa Schiaparelli foi a primeira  estilista que lançou-se em direção aos preceitos surrealistas, criando peças que provocam um descolamento de membros (Chapéu Sapato, 1936), assemelhando-se aos trabalhos do escultor alemão Hans Bellmer ( La poupé, 1936 ), que inspirava-se justamente na ideia onírica de um corpo que se construía na contradição anatômica. Elsa  estabeleceu uma relação ainda mais explicita com a arte surreal ao desenvolver parcerias e compartilhar uma amizade com Salvador Dali. O pintor e a estilista foram responsáveis por concretizarem mais um encontro entre moda e arte ao produzirem obras que transcendiam a separação entre esses  dois sistemas; tendo o Tailleur escrivaninha (1936) , o Vestido de Lagosta (1937) , e o Vestido-Esqueleto (1938) como exemplos desses encontros. Em 1936, Schiaparelli também criou parcerias com o artista multifacetado Jean Cocteau, onde as peças foram estampadas com bordados (uma das técnicas mais usadas pela designer em seus trabalhos) que proporcionavam ilusões de ótica através de manipulação das formas humanas. 



A roupa é para o corpo não apenas uma segunda pele, mas também uma extensão de seus órgãos e membros, ela é capaz de potencializar, substituir e ressignificar essas estruturas corporais-mentais.  Nesse sentido, todas as manifestações artísticas existentes podem ser classificadas como um produto mais fidedigno produzido pela mente do sujeito. Se o inconsciente nos atormenta com a ideia de uma outra realidade que fora recalcada pela consciência, e o processo artístico apresenta-se justamente como algo imune as berreiras conscientes de tempo, espaço e razão produzidas pelo meio social, então os produtos artísticos são profundamente capazes de transcender essas macro relações que nos orienta sentir, pensar e agir de determinadas maneira. . Destruindo por fim, a noção de corpo unificado baseada em um dualismo e um racionalismo, e introduzindo a ideia de corporeidades, que desenvolve-sem na ordem da multiplicidade. O homem que fala e é falado pela indumentária surrealista, questiona até mesmo seu movimento de fala que é associado à boca a medida em que cria corpos onde este órgão não está presente ( Salvador Dali, sem título (1942) ) ou esconde o conjunto corporal por um todo (Man Ray, L'Ènigme d'Isidore Ducasse (1920) ). O corpo surrealista é uma decodificação que obedece ao caos que constitui aquele sujeito. É um corpo que não tenta interromper seus movimentos de diferenciação. É um corpo que mostra outras formas de ser vivenciado, afastando-se de noções como humanidade. É um não-corpo possível.


 Do corpo fragmentado ao corpo ausente - a anatomia moderna desrealiza por completo a forma humana, partindo de uma permanente  recusa em fixá-la segundo qualquer possibilidade estável ou consciente. 
Eliane Robert Moraes. O Corpo Impossível, 2012, p 70.

Contudo, a indumentária Surrealista não pode ser resumida a justaposições incomuns feitas com elementos fantásticos e teatrais, como foram desenvolvidos por designs como John Galliano e Alexander Mcqueen. Nem mesmo a um processo de construção feito a partir de materiais inusitados, que resultam, por exemplo, na mesa que transforma-se em saia, criada por Hussein Chalayon. Existem diversas questões que são discutidas e ressignificadas pelo surrealismo indumentário, contudo, todas essas problematizações falam das múltiplas e incessantes diferenciações que atravessam e constituem corpos. É uma investigação de suas formas, acompanhada pela desintegração delas. Nessa direção, o corpo torna-se algo simbólico e a roupa-acessório apropria-se de sua condição de concreta. A roupa materializa a complexidade corpórea com todas as suas possibilidades de representação, e mostra-se profundamente capaz de apresentar essas representações. A Arte Moderna como um todo, estabeleceu uma atmosfera de indeterminação que tornou tudo possível. Houve uma anulação dos contrários. Um entrelaçamento de forças distinta e/ou opostas. Fazendo com que o corpo humano se fundisse com a arte, tornando-se um corpo-arte. Ou talvez, uma obra de arte, em seu sentido mais puro.


Se o corpo pode ser tomado como a unidade material mais imediata do qual o sujeito se compõe e se reconhece como individualidade, num mundo voltado para a destruição das integridades ele tornou-se, por excelência, o primeiro alvo a ser atacado. 
Eliane Robert Moraes. O Corpo Impossível, 2012, p. 60.

A supressão da identidade corporal desencadeada pelos artistas surrealista, e a crítica da arte pela arte produzida (também) pelos dadaístas, revela um corpo - Modernista - em crise e aponta uma questão que na contemporaneidade está tem sido ainda mais discutida: quando o corpo não é uma obra de arte?. Trata-se de um repensar nos limites que separa a obra do artista, que consequentemente acabam esbarrando novamente em um dualismo que o Modernismo se propôs a questionar. Portanto, se o corpo humano foi fragmentado, reconstituído e por fim desumanizado, entende-se então que o corpo é totalmente capaz de se colocar como obra arte e não como pessoa. Neste movimento, a indumentária deixa de ser indumentária, pois não existe mais uma estrutura a ser vestida, e assume papel do próprio corpo. Há uma inversão. Na moda surrealista, é a roupa que passa a ser vestida por um corpo, pelas suas impossibilidades que tonam-se possíveis em seu inconsciente. Como acontece nos trabalhos dos estilistas holandeses Viktor&Holf, onde na coleção de outono-inverno 2015, suas criações aboliram perfeitamente a fronteiras que ainda tentam separar a Arte da indumentária das demais manifestações artísticas. Neste desfile, as peças usadas pelas modelos transformavam-se em quadros com pinturas abstratas, que eram expostos na própria passarela; conseguindo questionar, também, a noção de lugares ideais para se fazer e expor arte. Na atualidade, como fruto de todas essas discussões levantadas antes mesmo do século XX, e ainda vivenciadas, as  passarelas passaram a equipara-se a museus e galerias de arte.  No fim, a roupa do corpo surrealista torna-se na verdade o próprio corpo. Um corpo surrealista.





+LINKS & INDICAÇÕES:

ELSA SCHIAPARELLI ( outro post, em inglês ) / pesquise mais sobre Hans Bellmer




Bibliografia ultilizada:
O corpo impossível: a decomposição da figura humana : de Lautréamont a Bataille. Eliane Robert Moraes

O Sentido da Biopolítica em Michel Foucault. Danner, Fernando (http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistaestudosfilosoficos/art9-rev4.pdf)

ELSA SCHIAPARELLI E AS ARTES: CRIAÇÕES DA ESTILISTA NA DÉCADA DE 1930. Dorigoni, Juliana   ( http://www.indev.com.br/semana/trabalhos/2012/67.pdf )

http://entrerendasebabados.blogspot.com.br/2011/05/elsa-schiaparelli.html

ARTE E PSICANÁLISE: UMA POSSÍVEL INTERSEÇÃO COM O SURREALISMO. Garcez, Marina  (http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2010/relatorios/ctch/psi/PSI-Marina%20Garcez.pdf)

O SURREALISMO E A MODA.  Profª Ma. Sueli Garcia1 (http://www.belasartes.br/revistabelasartes/downloads/artigos/3/o-surrealismo-e-a-moda.pdf)


segunda-feira, 18 de abril de 2016

OOTD + Costura: CASTIEL PASTEL


Este vestido foi feito por mim. A choker branca também. 
E as fotos do céu foram tiradas por mim la na minha faculdade (UFES).














sexta-feira, 8 de abril de 2016

Obra: VAGÊNIS







































Eu mesmo crisei o cropped e o desenho, e também fui eu quem o bordei.


Uma tentativa de exteriorizar através da indumentária, meus questionamentos sobre a ideia de binarismo que constitui a sexualidade normativa. Pois, se a identidade e expressão de gênero, e a orientação sexual obedecem a uma anatomia (que nos contradiz a todo o momento) então, nada melhor que começarmos destruindo e ressignificando o que justamente foi construído em cima dessas estruturas.
VAGÊNIS é uma junção da palavra “vagina” com “pênis”. Essa obra fala sobre sujeitos cuja seus aparelhos reprodutores ( que erroneamente são equiparados a órgãos sexuais) "contradizem-se" naturalmente; como por exemplo, mulheres cisgêneras que possuem cromossomo XY, e todas as demais variações do intersexo. Esta é uma obra que possui como essência o questionamento sobre o que entendemos como “homem” e como “mulher”.  Ela busca fundir, e acima de tudo transcender, esses dois conceitos, através da mistura de órgãos que são usados exatamente para criar essa separação.


+LINKS/INDICAÇÕES:
Leia o livro MANIFESTO CONTRASSEXUAL - PRÁTICAS SUBVERSIVAS DE IDENTIDADE SEXUAL, do autor Paul Beatriz Preciado. No capítulo "A industrialização dos sexos ou Money makes sex", o Beatriz faz uma discussão muito rica sobre essas contradições anatômicas. Ele apresenta para o leitor, além de outras questões, estruturas como CLITOPÊNIS, MICROPÊNIS, MICROFALO E PÊNIS-CLITÓRIS.

ps: se desejar, posso disponibilizar o pdf para você. Basta deixar seu email nos comentários.





reflexões sobre Não-bináries



Inicialmente, é preciso acabar com a binaridade que constitui os diálogos sobre identidades não-binaries, pois não somos apenas uma mistura de dois conteúdos; 60% mulher e 30% homem, ou simplesmente indivíduos que transitam entre esses dois polos, por exemplo. A variabilidade que constitui o humano, seja em culturas ou fenótipos, também atravessa sua sexualidade e por isso a ideia de existirem apenas duas identidades gênero possíveis de serem vivenciadas é absurda. O fato delas serem a norma padrão, o comum de ser visto e almejado, não significa que são únicas possíveis, muito pelo contrário. A normalidade precisa de estabelecer patologias para existir. Ou melhor, é através das patologias que se constrói uma normalidade. Portanto, se identificar com algo que não vá de maneira alguma ao encontro dessa binaridade, é totalmente possível e talvez seja ainda mais comum do que a experimentação de um corpo homem ou um corpo mulher padrão, totalmente puro de hibridismo entre essas duas categorias. Contudo, é   importante frisar que androginia é uma expressão de gênero e não uma identidade. Há homens andróginos assim como existem não-binaries com uma aparência mais masculinizada (de acordo com que cada cultura entende ser masculino). 

***

O desencadeamento de processos de ressignificações e desconstruções de gênero é apenas uma das consequências de um movimentos ainda mais amplo produzido por indivíduos que experimentam a não-binaridade. Esses corpos, objetificam antes de tudo uma transcendência daquilo que está dado em  nossas relações de sexualidade. O dicotomia homem X mulher existe pois há uma produção de corpos baseada em diferenças anatômicas que sim, são reais. Neste sentido, pessoas não-binaries questionam os construtos feitos a partir dessas diferenças. Nós, questionamos a binaridade ainda existente, deixamos nítido a multiplicidade que constitui a sexualidade humana e os convidamos a experienciar conosco uma realidade onde homens e mulheres não necessariamente estejam presentes em estrutura psíquica. Mas, é importante ressaltar que não-binarieis não podem ser resumides à integridade de duas classificações distintas, opostas e desconectadas. Nossa variabilidade não está  apenas dentre dois extremos, não porque esses extremos nunca foram de fato foi vivenciados e sim pois nos colocamos como algo que vai além do binarismo. Tão distante ao ponto de ainda não possuirmos nomes para o que somos.

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Acredito que as identidades não-bináries falam de um movimento de desconstrução que desenvolve-se na ordem da construção. Isso porque, nossa resistência à binaridade só acontece pois existe um poder binário instalado em nossas relações sexuais que se diferencia e ressignifica a todo momento, afim de consegui garantir a captura, a tortura e o assassinato dessa e outras transsexualidades. Contudo, penso que no campo das relações de poder, constrói-se não apenas as relações, mas também os indivíduos. Os corpos não binaries apresentam-se, portanto, como produtos essenciais dessas ficções sexuais que nos reprimem verdadeiramente. Eles são as estruturas patológicas que sustentam a concepção de normalidade. Eles constroem-se a medida em que desconstroem a estrutura binaria sexual.