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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Poesia: Pele de Pétalas

Minha pele é feita de um conjunto de pétalas, que foram retiradas de uma flor que desabrochou em meio a um mar de saudades. Saudades daquele marinheiro-jardineiro que a pescou enquanto semente, e a plantou em seu jardim periférico experimental. 

Minha pele tem cheiro de nostalgia. Nostalgia de quando aquele marineiro regava suas raízes com a água trazida do mar de lua cheia, alimentando-as com os movimentos de suas ondas, que levam e trazem amores mal resolvidos.


Essas pétalas que formam minha pele são azuis, da cor do meu cabelo que, semana passada, foi cortado da minha cabeça com a mesma falta de delicadeza que pode ser lamentada por aqueles que assistiram a flor sendo arrancada do caule, que outrora fora raptado por de sua terra.

Essas pétalas presenciaram um adeus que minha pele luta para não dizer. 

Castiel Vitorino

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Praticas contrasxuais de um Corpo-flor

Meu corpo é uma flor que há muito tempo tem sofrido tentativas de categorizações, que falham com a mesma rapidez em que eu mudo de forma e desejo. Eu tenho um corpo-flor selvagem, movido por instintos anti-racistas e contrassexuais. Minha pele é preta e sobre ela crescem flores. E é através delas que sinto prazer. Eu não tenho vagina muito menos pênis. Eu sinto orgasmos quando meus dedos ou galhos de arvores penetram as flores que crescem na minha barriga, nos meus braços, nos meus ombros, nas minhas pernas. Eu gozo quando minha lingua toca qualquer lugar da minha pele. Meu corpo é negro mas não tem raça. É corpo mas não tem gênero. É desejo mas não tem sexualidade. Minha pele não é suja, não é feia, não fede. Ela é um órgão incompreendido que nunca desejou essas explicações vindas do norte. Meu corpo é deslocamento de negritude. É ruptura de heterocisnormatividade. Meu corpo-flor é bárbaro. Minha pele é subversão de um projeto de animalidade.

Registro: Rodrigo Jesus
Edição: Castiel Vitorino e Rodrigo Jesus
Figurino: Castiel Vitorino




quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Ode às bixas-preta (performance)









ODE ÀS BIXAS-PRETAS

Eu tenho um corpo. Eu tenho uma pele. Eu tenho um corpo coberto por uma pele preta-bixa. Eu tenho uma pele que está cansada de ser reconhecida apenas como preta-bixa.

Minha pele biológica foi inferiorizada pelas ciências e endemonizada por religiões. Por ser negra, foi ignorada pelas Artes com a desculpa racista de que por ser preto, meu corpo não combinava com suas composições. Mas então eu pergunto: para que serviu seus estudos de cor? Por ser bixa, foi patologizada por medicinas e psicologias. Ai eu questiono: a quem serve sua reforma psiquiátrica?

Por ser preta e bixa minha pele, que fazia parte de um corpo coletivo foi arrancada desse e de outros grupos. Com justificativas que se alternavam entre o racismo e a homofobia. "Você é preta demais!". "Você é bixa demais!'. E sabe, é exatamente isso mesmo que eu sou. Preta e bixa em sua máxima potência!

Demorei muito tempo pra perceber que minha pele não se encontra aprisionada em um não lugar. Mas, agora eu sei. Eu sinto, eu existo, eu ocupo, eu preencho, eu materializo uma “utopia”.

Minha pele preta-bixa não é desencontro e sim colisão de raça gênero e sexualidade.

Minha pele preta-bixa é mais que uma conversa de opressões. Ela é criadora de realidades ainda vistas como imperfeitas. Mas, de imperfeita ela não tem nada!

Minha pele é esperta, pilantra, ladra e terrorista. Ela desterritorializa seu corpo e o recoloca em um altar, ao lado de Madame Satã e Mc Lin da Quebrada. Ou melhor. Minha pele bombardeira todos esses altares, com a ajuda de Satã e Lin, com bombas carregadas de desejos descolonizados. Desejos de bixa preta latina suburbana e perigosa!

Eu tenho uma pele que é preta e bixa. Essa pele também é composta por ítens indumentários. Saia, vestido, calça, calcinha, batom, meia arrastão, terno. Ela gosta de chupar e ser chupada. Tocar e ser tocada. Gosta de amar e ser amada, porra! Ela chora. Ela é fraca. Ela elimina. Ela bate. Ela é frágil. Ela é poderosa.

Minha pele preta-bixa é resistência. Ela é insistência. Ela é indispliscência.

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Texto escrito por Castiel Vitorino, e lido no fim da performance “Ode às bixa-pretas” realizada na mesa de debate sobre Estética Negra nas artes. Mesa esta que fez parte da I Marcha do Orgulho Crespo do ES